Este artigo foi publicado originalmente no Caderno Cultura, n. 329, edição de 23 de maio de 2009, do Diário Catarinense. O texto, contudo, sofreu revisão, realizada pelo autor, sem prejuízo do conteúdo original. O resumo e a citação, que o antecedem, não integram o artigo publicado no referido jornal.

RESUMO

O artigo trata da proposta de preparação do aluno de graduação para o desempenho acadêmico de excelência. Ao empregar a noção de “preparação pedagógica do professor de ensino superior” em analogia à noção de “preparação pedagógica do aluno de ensino superior”, o autor tem como objetivo demonstrar que o sucesso da relação professor-aluno (ou do processo de ensino-aprendizagem) implica necessariamente a preparação do discente (e não apenas do docente) para atuar, em nível de excelência, como aluno de ensino superior. Situando a Instituição de Ensino Superior (IES) e o Corpo Docente como os dois primeiros elementos do processo de ensino-aprendizagem, o autor defende (para a consolidação do mesmo processo) que o terceiro elemento consiste da preparação do aluno (ou do corpo discente) para o desempenho acadêmico de excelência na graduação.

CITAÇÃO

Muitos jovens chegam à universidade – sobretudo às universidades populares ou de massa – eufóricos e ansiosos, felizes por terem conseguido alcançar uma etapa tão importante de suas vidas, especialmente pela expectativa de obterem as melhores oportunidades no mercado de trabalho, graças ao diploma de curso superior. No entanto, vamos percebendo, a cada ano, um fenômeno bastante preocupante. Muitos desses estudantes – mesmo tendo passado no vestibular – carecem de um preparo mais profundo para lidar com a complexidade dos temas que o nível superior exige. A faculdade não é uma extensão do segundo grau, pura e simplesmente. É muito mais. Há exigências de um aprofundamento, de uma maior concentração nos estudos, de uma dedicação redobrada. E é aí que começam os problemas. Muitos alunos não têm como acompanhar o ritmo necessário, e vão levando como podem, em prejuízo de sua própria formação e também do nível de profissional que a sociedade vai recebendo.

VALMOR BOLAN. Como chegam os jovens à universidade? Gazeta Digital, 15 de março de 2004

 
O Terceiro Elemento
 

O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) tem, segundo o Ministério da Educação (MEC), “o objetivo de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências”. Mediante prova única contendo questões de conhecimento geral e específico, aplicada aos alunos ingressantes e concluintes dos cursos de graduação presencial e a distância das Instituições de Ensino Superior (IES), o Enade, neste sentido, afere o rendimento acadêmico dos graduandos e avalia os cursos de graduação brasileiros.

Mas, não obstante os critérios e as circunstâncias que envolvem a realização do Enade e os debates em torno de sua pertinência ou irrelevância, o fato é que, pudesse a aferição do rendimento dos alunos concluintes (dentre os quais se incluem os formandos), ser de alguma forma comparada às suas médias finais de conclusão de curso, ou ainda às notas finais das disciplinas cursadas na graduação (histórico escolar), a disparidade da formação acadêmica seria certamente maior do que aquela verificada pelo Enade (e anteriormente pelo Provão – Exame Nacional de Cursos) junto aos cursos de graduação avaliados.

Não se trata, porém, de validar determinado modelo de avaliação em detrimento de outro, nem de pressupor novo critério de aferição do desempenho do graduando brasileiro. Mas, fossem as média finais de conclusão de curso, ou mesmo as notas finais das disciplinas do histórico escolar, critérios seguros de verificação do nível de formação individual e geral do graduando, certamente o Enade (e antes dele o Provão), no que diz respeito ao objetivo (acima) proposto pelo MEC, se tornaria injustificável. Em todo caso, a busca de um critério seguro revelou aquilo que as aferições do  Enade (e do Provão) acabaram, de todo modo, evidenciando: a crise do ensino de graduação como resultante do desequilíbrio verificado no processo de ensino-aprendizagem em nível superior no Brasil.

Mas se, em razão da existência de tal crise, o Provão, e mais recentemente, o Enade, foram concebidos não só para avaliar, mas também para o MEC lançar mão de medidas que elevem o nível de formação do graduando brasileiro (e contribuam, desse modo, com a superação da crise do ensino de graduação), o fato é que, no caso dos critérios de ajustamentos prescritos às IES, um elemento fundamental do processo de ensino-aprendizagem escapou ao MEC e (relativamente à aferição do rendimento dos alunos e à avaliação dos curso) ao Provão e ao Enade: o da preparação pedagógica do graduando (e não somente do professor) para atuar, em nível de excelência, como aluno de ensino superior.

Pode parecer inapropriado e contraditório empregar o termo “pedagógico” em alusão à preparação do graduando, para atuar em nível de excelência, como discente de ensino superior. Inapropriado, porque aparentemente não há no amplo contexto educacional e pedagógico brasileiro lugar para tal questão. Contraditório, porque se subentende o graduando como um ser naturalmente dotado das habilidades acadêmicas para adquirir formação de excelência. Contudo, estudos publicados ao longo do século XX e início deste século têm se caracterizado pelo enfoque dado ao fenômeno do despreparo do discente em relação ao processo de ensino-aprendizagem em todos os níveis de ensino. Fenômeno esse que, na particularidade da educação superior, está manifestamente associado à crise do ensino de graduação.

Assim, enquanto o ensino superior brasileiro insistir em se alicerçar em uma concepção pedagógica que pressupõe o ingressante na graduação naturalmente dotado das condições necessárias para atuar como aluno de excelência na educação superior, apenas a capacidade pedagógica do Corpo Docente e a qualidade infraestrutural, operacional e administrativa da IES  (pública ou privada), não serão suficientes para superar a crise do ensino de graduação. A excelência do processo de ensino-aprendizagem (seja na educação presencial ou a distância), que efetivamente se verifica no hífen da relação professoraluno (e não apenas na primeira categoria, como costumeiramente se apregoa) demanda que a PREPARAÇÃO PEDAGÓGICA DO ALUNO (e não apenas do professor, como comumente se defende), se constitua no terceiro elemento fundamental de enfrentamento e superação da crise do ensino de graduação no Brasil.

Prof. Marcos Gomes

· Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e Graduado em Filosofia (bacharel e licenciado) pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

· Professor de ensino superior em cursos de graduação e pós-graduação (lato sensu) de instituições públicas e privadas catarinenses (FACVEST, UNIPLAC, CESUSC, UNIFEB e USJ).

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Relação de mais de 240 artigos que retratam, entre os anos de 2002 e 2017, a invariável e recorrente crise do ensino de graduação presencial e a distância (bacharelado, licenciatura e tecnológico) no Brasil. Os artigos, em parte reportagens da grande mídia, estão listados por título, veículo difusor e data crescente de publicação.